O Poeta e o Pássaro
Num dia matutava eu inspirado
debaixo de uma árvore topei com um passarinho
e ele me perguntou interessado:
_ O que faz um poeta ai sozinho ?
Pensando – disse a ele - ora vês !
Meus pensamentos são muitos á girar,
mas o que te importa meus afazeres
não devias tá tu com os outros á voar ?!
Não, tatu não voa – disse e ciscou cantarolante .
Fez pose de elegante e voou
pousou no meu ombro um instante
e um fio do meu cabelo arrancou.
_Mas que abusado,
não tem medo de pedra ?
Já tô ficando irritado
vou lhe dar uma queda !
Por que não fica ai cantarolando,
e me deixe aqui na minha ?
Afinal, nunca vi pássaro falando,
só vejo pássaro que pia .
Mas eu falo, Poeta, não me ouve ?
Ou já está maluquiando tão novinho ?!
E por mais que, ao vento, voe
vou continuar lhe perseguindo.
Eu tenho uma missão, Seu Poeta.
na verdade sou um feiticeiro transformado
e venho trazendo da minha terra
sua porção de vento encantado.
Tome aqui – e soprou o feitiço em mim.
Nisso, subiu uma nuvem de poeira do chão
que me levou num arrastão
e pelo vento fui tomado
E ele do meu lado dizia:
_ Verbo, versinho tão combinado
escorre cada pausa palavrinha
até que o Poeta ouça musicado
e caia na letra, linha após linha
rimas e versos adeptos a canção
assim serás Poeta, assim serás cantor
para que seus dedos toquem flauta e violão
e sua voz tenha tom de encantador...
E assim se fez
suspenso no ar, solto me eis
flutuando sorvia todo meu cansaço.
Fui carregado por um passarinho,
e lá repousei, ouvindo os bemóizinhos
das canções do Príncipe Livrepássaro.
Passo a passo siga-me,
como em nuvens, disse-me.
A pé ante pé faz-se caminhar.
Mande o vento levar-lhe ao alto
e aprenda com os pássaros leveza e salto
e assim, voe como por sobre o mar.
Quem pensa a sós, de sábio eu trato,
e também de mago Branco será vossas ações.
Cantar a multidões vais na sua caminhadura
estou vozeando, e para que sejas melhor
fazei um círculo e, ao meu redor,
colha toda inspiração e me deixe a sua.
E desde esse dia pra cá
aprendi a cantar, compor e tocar
flauta e violão
e não esqueci mais
nem daquele pássaro, nem daquela paz
que senti em meu coração
fazendo e ouvindo, respirando refrão,
de música e de poesia
como naquele dia
da minha benção...
Passou-se um tempo.
Ainda outra vez, eu na sonolência
de escuras árvores, sozinho,
ouvi batendo, como em cadência,
um tóc, dois tóc, bem de mansinho.
Fiquei desatento, fechei a cara-
mas afinal me deixei levar
e por ser um poeta que nem repara,
em tóc-tóc me ouvi falar.
E vendo o verso cair cadente
sílabas sonoras saltando fora,
tive que rir, rir, de repente
e ri por um bom quarto de hora.
E eis que uma voz me indagou:
“Tu um Poeta, ou tu um cantador?
Em verso Poeta, ou em poética musical ?”
E eu – “Sim, meu Senhor, sois um Poeta,
e tu, será que és um pica-pau ?!”
Um homem velho da árvore desceu
era o feiticeiro que me enfeitiçou
e trazia na mão um fio do meu cabelo
que uma vez, de pássaro, me arrancou.
Sorriu, me deu a mão, e sumiu.
Mas haveria de voltar, um dia, quem sabe ?
E o mais fascinante é que depois, mais tarde
quando fui pegar o fio de cabelo do chão
o vento soprou
e aquele fio do meu cabelo, na mão
se transformou
numa linda pena pequena daquela ave...
*Algumas frases foram extraídas da poesia e ensaio do jovem crítico literário
de São Paulo NIETZSCHE “Canções do Príncipe Livrepássaro”
poemas de 1882-1884, na edição de 1886.*